Por Luciana Gurgel
A Europa está fervendo. O Reino Unido entrou em pânico na terça-feira (19/7), com temperaturas passando dos 40ºC pela primeira vez. Incêndios destruíram ruas inteiras em Londres.
A culpa não é da imprensa. Mas o jornalismo pode ter uma parcela da responsabilidade pelo grau de informação que as pessoas comuns recebem sobre as mudanças climáticas.
Uma pesquisa da Universidade Yale e da Meta revelou uma baixa taxa de pessoas que disseram receber informações sobre a crise ambiental pelo menos uma vez por semana via imprensa e também por mídias sociais ou em conversas com amigos.
Somente os entrevistados de 12 países disseram ser atingidos por notícias a respeito do aquecimento global semanalmente. No Brasil, onde não faltam crises para ocupar os espaços na mídia, a taxa é de 27%, tendência que se estende por quase todos os países da América Latina e Central.
Ainda assim, o estudo revelou que a consciência sobre a extensão da emergência climática é maior do que se poderia supor considerando o déficit de informação regular.
Os brasileiros estão entre os que mais acreditam que as mudanças climáticas já estão acontecendo (90%), percentual maior do que no Reino Unido, que sediou a COP26 em 2021 e por isso teve uma cobertura massiva do tema. No país, 88% dos entrevistados acham que a crise já chegou.
A enquete foi realizada entre usuários do Facebook, gente com acesso regular à internet. Se fosse repetida semana que vem, talvez a opinião dos britânicos mudasse, pois foi grande o susto tomado no dia chamado de “histórico”.
Desde a segunda-feira, quando a temperatura já havia subido, imprensa e redes sociais não falavam de outra coisa. No dia D, parecia uma guerra. TVs sobrevoavam os incêndios e mostravam ao vivo casas desabando e pessoas chorando.
Mas será que isso vai durar para sempre? A julgar pelo passado, não. Programas na TV e seções nos jornais criados na época da COP26 desapareceram discretamente ou foram empurrados para horários secundários.
Um estudo da consultoria Akas, apresentado durante a reunião da WAN-Ifra (Associação Mundial de Jornais) em janeiro, constatou que menos de 2% de 750 milhões de noticias registradas no banco de dados GDELT desde 2017 faziam referência às mudanças climáticas.
O problema não é só quantidade, mas também abordagem. A cobertura da imprensa britânica nos últimos dias é um exemplo.
Antes dos incêndios da terça-feira, poucos jornais ou matérias de TV associaram o aumento da temperatura ao aquecimento global. Isso era mencionado de forma discreta, quando muito.
O foco era serviço: como se prevenir do calor, o que fazer com os pets, linhas férreas podendo parar devido ao derretimento dos trilhos. Sim, eles derreteram, porque suportam até 45ºC. Sob o sol, o calor foi muito maior.
No dia do recorde, apenas o independent deu uma manchete sugerindo uma ligação entre mudança climática e o recorde de temperatura.
E no dia seguinte, o The Guardian foi o único a fazer a associação, embora os demais jornais tenham aberto espaço para especialistas em clima.
Outra crítica feita ao tratamento da imprensa é quanto à seleção de imagens. A Columbia Journalism Review publicou recentemente um artigo criticando o uso de cenas associadas a prazer e felicidade, como crianças se refrescando em chafarizes. Mudança climática não é diversão.
Sob este argumento, a sede londrina do News UK, empresa de Rupert Murdoch que edita o The Sun e o The Times, teve os vidros quebrados na terça-feira por ativistas do grupo ambientalista Extinction Rebellion.
Um porta-voz disse: “Em vez de alertar os leitores sobre os riscos crescentes de ondas de calor à medida que a crise climática se intensifica, o Sun escolheu ilustrar suas primeiras páginas com imagens de mulheres de biquíni, banhistas e crianças felizes com sorvetes”.
Não precisa quebrar vidros, mas o alerta é válido. Quantidade de notícias e abordagem podem fazer a diferença na compreensão do público e na pressão sobre governos, corporações e cidadãos para reverter algo que a maioria já entende ser uma realidade.
O estudo completo de Yale, que mostra os brasileiros entre os que mais acham que medidas para mitigar os efeitos das mudanças climáticas podem ser boas para a economia, está em MediaTalks.
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